sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Cores que dão vida às pistas

Jerry da Costa faturou 7 das 24 medalhas
conquistadas pela delegação brasileira
nos X Gay Games Paris 2018
(Foto: Arquivo pessoal)

Nas primeiras matérias deste blog você acompanhou a cronologia do surgimento das equipes de futebol precursoras do movimento do esporte LGBTQIAPN+ em nosso país. Chegou a hora de passear por outras modalidades e conhecer representantes da luta por mais inclusão e diversidade no atletismo, vôlei, handebol, esgrima, remo, natação, ciclismo, artes marciais e muitos outros esportes em que guerreirxs demonstram que podemos sim competir em alto nível e tornar o esporte cada vez mais democrático e igualitário.

Chamado precoce

No dia 10 de agosto de 2018, o Brasil “sextava” com medalhas em Paris: mais um ouro e uma prata eram somados às conquistas do já multipremiado Atletismo na edição dos Gay Games - evento considerado a olimpíada LGBT+ - realizada naquele ano na capital francesa. No pódio estava o catarinense Jerry da Costa, natural da cidade de Blumenau.

Adepto da numismática e da filatelia – termos que assustam pelo rebuscamento, mas se referem, respectivamente, ao estudo das medalhas e moedas e ao dos selos e materiais postais – voltadas à temática olímpica, o colecionador sentia as premiações conquistadas nos Jogos pesarem cada vez mais em seu pescoço com o passar dos dias de evento, mas a sequência de pódios escrevia páginas de uma história iniciada quando ele tinha apenas oito anos de idade.

O despertar para a modalidade aconteceu nas aulas de educação física na escola, uma instância essencial para se promover os valores necessários à aceitação das diferenças e coibir práticas discriminatórias e segregacionistas. Essa fase de formação representa para atletas de várias gerações um momento simbólico do início de sua paixão pelo esporte, mas, ao mesmo tempo, deixa em muitas pessoas marcas da segregação pelo fato de se considerar algumas modalidades “próprias para meninos” e outras “para meninas”.

À esquerda, Jerry conquista o ouro na prova dos 100m no Campeonato
da Indústria; à direita, ajuda sua equipe a vencer o revezamento 4x100
no Campeonato Paulista Master (Montagem: Arquivo pessoal)

Para Jerry as memórias desse início de contato com o esporte são de um verdadeiro chamado para seu futuro: “lembro-me como se fosse hoje a professora anunciando que haveria uma competição de Atletismo do primário (atual Fundamental I). Perguntei o que era isso e ela respondeu prontamente: “correr, saltar e pular”, relembra, em entrevista ao blog.

Era uma definição própria para crianças daquela idade, mas que lhe abriria as portas da modalidade. Topando de imediato participar da prova, pensando “é isso que eu quero!”, como nos conta, o menino sequer imaginava se tornar, quatro anos depois, campeão e recordista catarinense mirim, considerada a primeira faixa etária do atletismo, atual sub-15.

“A Educação Física escolar é uma maravilhosa ferramenta para a construção de vários valores que o ser humano precisa aprender para sua formação e o esporte escolar vem justamente para somar dessa forma”, reforça o catarinense, consciente do papel de professores e treinadores diante de crianças e adolescentes durante o Ensino Fundamental e Médio.

Desvio de percurso em um destino traçado

A estreia consolidou o interesse de Jerry pela modalidade. Duas semanas depois, a mesma professora o levou junto com outras crianças para participar de uma das maiores competições de Blumenau e de todo o estado, os Jogos Estudantis da Primavera, que tiveram início na própria década de 70 e são até hoje um dos momentos marcantes do esporte local, chegando a reunir 10 mil estudantes das redes municipal, estadual, federal e particular de ensino.

Jerry começou sua trajetória nas pistas
começou ainda na infância, aos oito
anos de idade (Foto: Arquivo pessoal)

Os bons resultados nos Jogos fizeram com que o menino procurasse um local para treinar, mas sua professora não soube, à época, indicar um espaço próprio para que ele desenvolvesse suas técnicas. Coube a ele mesmo buscar uma solução: “como fui sempre muito hiperativo quando criança, lembrei que poderia ter algo onde foram realizados os Jogos Estudantis e fui andando até o local a pé, um percurso de 5km para ir e voltar”.

Chegando ao local, se deparou com um ginásio onde muitos meninos praticavam Ginástica Olímpica – atual Ginástica Artística –, cujo professor o convidou para treinar. “Foram seis meses de tortura, doía tudo”, brinca. “Decidido a parar, um dia falei para mim mesmo que seria meu último dia. Para minha surpresa, ao sair do ginásio, vi outro professor, que trabalhava na escolinha de Atletismo da Prefeitura”. Seria essa sua nova casa.

O garoto começava ali a pavimentar seu caminho no Atletismo de alto rendimento, vindo a participar de competições municipais, estaduais, nacionais e internacionais, que lhe renderam nessa primeira fase de sua carreira 19 títulos estaduais, 3 sul-brasileiros e 4 nacionais, além de 33 recordes estaduais e torneios universitários. Decidiu, em 1994, dar uma pausa na carreira de atleta para se dedicar aos estudos, período no qual concluiu suas graduações e pós-graduações, mas que o colocou diante de uma barreira muito maior que as encontradas por ele nas pistas: a depressão.

O retorno em 2015 não se deveu apenas ao amor que tem pelo esporte, mas também a um motivo de saúde. Voltar a fazer o que mais amava havia se tornado urgente. “Voltei por recomendação de minha médica, que me perguntou, durante uma sessão, o que eu mais gostava de fazer. A resposta era clara: Atletismo. Por isso, ela me recomendou voltar como lazer, mas meu instinto é competitivo, então logo voltei às competições no cenário nacional e internacional”.

Bandeira levantada nas pistas

Um momento importante da carreira de Jerry foi retratado nas primeiras linhas dessa matéria. A medalha de ouro no salto triplo e a prata na marcha atlética 5.000m que ele conquistou naquela sexta-feira de agosto em Paris coroaram uma participação brilhante, com 7 pódios: além da dourada, foram 5 medalhas de prata (na prova mencionada acima e também no lançamento de dardo, salto com vara, decatlo e 110m com barreiras) e um bronze no arremesso de peso. Tudo isso fez do catarinense responsável por cerca de 1/3 das medalhas trazidas pela delegação Espírito Brasil. Ser um dos representantes do nosso país na capital francesa fez com que Jerry portasse uma bandeira pela inclusão e representatividade, sobretudo dentro de sua modalidade, na qual, segundo ele, não era fácil identificar uma pessoa LGBTQIAPN+:

Os X Gay Games foram um marco
na luta de Jerry pela diversidade no
Atletismo (Foto: Arquivo Pessoal)

“O Atletismo sempre foi um ambiente extremamente masculino e, pelo esforço, concentração e dedicação que exige, sempre foi difícil definir especificamente um perfil de atleta LGBT+ como é atualmente. Entendo que foi um processo natural de amadurecimento em função de muitos obstáculos superados como a ditadura, AIDS, homofobia e muito machismo e preconceito".

Reforçando a consciência do papel que assume no esporte para tantos jovens LGBTQIAPN+, Jerry relembra o caso de Walmes Rangel, primeiro atleta olímpico brasileiro a se assumir gay, ainda nos anos 1990, para explicar como a LGBTfobia o fez levar mais tempo para tornar pública sua defesa da causa.

Rangel teve sua orientação sexual revelada de forma compulsória, sofreu bullying, ameaças e agressões, além de perder patrocínios, precisando encerrar sua carreira em seguida. O catarinense, que atualmente treina em terras paulistanas, confidencia um momento pessoal e profissional que se tornou um ponto de virada no que se refere à sua percepção da própria luta em prol da diversidade no esporte.

“Tive um trabalho que marcou profundamente minha vida. Era um ambiente extremamente tóxico, homofóbico e preconceituoso de todas as formas. Me veio a depressão e, com o desenrolar das coisas, assumi que lutaria no esporte do qual faço parte para mostrar às pessoas e à nossa própria comunidade LGBT+ que nossa orientação sexual nada interfere em nós enquanto seres humanos e nossa luta pode fazer um papel social importantíssimo para o fim de todo preconceito e discriminação”, conta.

Abertura de novos caminhos…

Apesar de reconhecer que, com todas as experiências que viveu e o preconceito latente na sociedade, só pôde realmente contribuir com a causa da diversidade no Atletismo na última década, Jerry se orgulha em ver em diversas modalidades atletas levantando a bandeira de que homofobia é crime. Prova dos novos passos que vêm sendo dados, para ele, foi a formação da primeira delegação brasileira para uma edição dos Gay Games, em 2018.

Ao lado dos companheiros de Atletismo
nos X Gay Games 2018, Fábio Lemes
e Elvira Breda, também medalhistas
em Paris (Foto: Arquivo Pessoal)


“Foi um ponto de partida, com ações que deixaram marcas e fizeram história para as próximas edições e gerações. Esse momento registra o desenvolvimento de um grupo inicial de um movimento de inclusão esportiva LGBT+ no Brasil para lançar um olhar profundo sobre o que o esporte em nosso país realmente precisa para alcançar uma verdadeira inclusão em prol de uma melhor qualidade de vida”, avalia o atleta, para quem o Atletismo abriu, em 2018, portas para um novo cenário em termos de visibilidade da participação de atletas gays.

O resultado no quadro de medalhas mostra que não é para menos: das 24 medalhas conquistadas pelos representantes da delegação Espírito Brasil em Paris, 14 vieram das mais diversas provas de Atletismo – você confere futuramente aqui no blog matérias sobre os demais medalhistas da última edição do evento. Em metade dessas 14 oportunidades a bandeira brasileira subiu ao pódio nas costas de Jerry, que conta ter sido procurado por outros companheiros de modalidade a respeito da edição de Hong Kong, adiada para 2023.

…mas uma longa estrada a percorrer

Jerry acredita em uma fase de captação de novos talentos para o esporte LGBTQIAPN+ do Brasil até os Gay Games de Hong Kong e vê com bons olhos o surgimento de novos praticantes dispostos a representar nosso país no Atletismo no continente asiático em 2023, mas observa com preocupação a falta de apoio para tantos competidores.

“Ainda somos escondidos pela mídia e é uma luta constante para termos um patrocinador que abrace de fato a comunidade. Temos uma enorme quantidade de militantes em todas as áreas, mas não há apoio ao esporte LGBT+ nacional. A mídia pode oferecer muito mais em termos de visibilidade com tantos talentos em nosso país. Sinto que temos ainda um longo caminho a percorrer”, avalia.

Competições internacionais de Atletismo Master
também fazem parte do calendário do
catarinense (Foto: Arquivo Pessoal)

Também faltam, na visão dele, engajamento do poder público junto a atletas que levantem a bandeira da diversidade no esporte por meio de políticas públicas: “o Brasil ainda engatinha se comparados a outros países em termos de políticas de Estado voltadas para o desenvolvimento desses atletas. Há uma profunda falta de visibilidade sobretudo dos esportes individuais, mas creio que com o sucesso da nossa delegação nos X Gay Games 2018, possamos abrir portas para que as marcas possam nos apoiar cada vez mais”.

Nas pistas Brasil afora, Jerry da Costa não coleciona só medalhas. Desde que retornou às competições, já conquistou 68 medalhas de ouro e já quebrou 81 recordes em âmbito estadual (não apenas em seu estado natal e no qual treina, mas também em Pernambuco, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul), nacional, sul-americano, ibero-americano e em meetings internacionais. Também foi eleito melhor atleta brasileiro e sul-americano em 2019 World Master Athletics e indicado ao prêmio de Melhor Atleta do Mundo pela região sul-americana da entidade.

Recado para as próximas gerações

Quem visita o perfil do atleta no Instagram, por exemplo, percebe, ao rolar o feed, que sua paixão pelas medalhas vai muito além daquelas que ele conquista, mas o multimedalhista dos X Gay Games 2018 deixa aos jovens LGBTQIAPN+ que se inspiram em sua luta e em seu desempenho nas pistas o recado de que começar a prática da modalidade é mais simples do que muitos imaginam:

“Hoje o Atletismo é uma modalidade muito simples de ser praticada em qualquer lugar onde você possa estar. Correr faz parte da cultura do bem-estar e acredito que isso possa trazer um número cada vez maior de adeptos para a modalidade. Não existem barreiras de classe social ou econômica, basta o interesse em cuidar da saúde física e mental”.

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Uma nova página para a tradição no Norte

 
Destaque no Peladão de 2013, Júnior Leocádio (ao centro, de chuteiras azuis)
fundou o 
Ball Cat's (AM) no ano seguinte (Foto: Arquivo Ball Cat's)

Há quem diga que “pelada” é o lado informal do futebol, mas em Manaus, a coisa não é bem assim. O melhor exemplo de que isso é coisa séria é o Campeonato de Peladas do Amazonas, popularmente conhecido como Peladão, o mais longevo torneio amador do mundo, disputado anualmente desde 1973 e realizado sob organização da Rede Calderaro de Comunicação (RCC), gestora da TV local A Crítica.

Diferentemente do esporte profissional, lá não tem pré-requisito: a participação é livre, com direito a categoria feminina, infantil (“Peladinho”), master (a partir de 40 anos) e indígena, reunindo cerca de 20 mil atletas amadores em mais de 500 equipes. Coube a esse evento recheado de história e de significado social o papel de ser o pano de fundo para o maior passo que já foi dado em direção à inclusão e diversidade no futebol do estado.


Levando o Amazonas até na camisa: Ball Cat's é pioneiro na luta por inclusão
e diversidade no futebol no maior estado do país (Foto: Arquivo Ball Cat's)

Manaus (AM), outubro de 2013


Representatividade de Júnior foi tema de matéria
da revista da Copa do Mundo de 2014, que trazia
destaques culturais e esportivos
 de cada estado
que foi sede do mundial (Foto: Arquivo pessoal)

Pedro Leocádio Neto Júnior era um dos milhares de jogadores participantes, mas o rapaz, conhecido como Pedrita, se diferenciava dos demais não apenas pela qualidade técnica que demonstrava em campo. Assumidamente homossexual, foi muito além da representatividade de mostrar que gay pode jogar bola: ele foi eleito em 2013 jogador-destaque do Peladão e virou manchete na mídia local e nacional. Seu protagonismo chamou a atenção de outros colegas LGBTQIA+, que demonstraram interesse em jogar, despertar esse que o motivou a criar a primeira Copa Gay de Futebol em Manaus.

Essa não foi, no entanto, a única reverberação do destaque alcançado por Junior dentro de campo: já em 2014, curiosamente no mesmo dia em que se comemora o aniversário da capital amazonense – 24 de outubro –, o próprio Pedrita montava a primeira equipe assumidamente gay de futebol do estado com o nome de Ball Cat's, da qual é presidente e atleta.

“O fato de eu ser conhecido e respeitado pela participação em campeonatos, inclusive com essa eleição de destaque no Peladão, trouxe ao time visibilidade e respeito por parte das equipes não LGBTQIA+. Jogamos contra todas em pé de igualdade e já ganhamos várias vezes. Assim vamos aos poucos conquistando nosso espaço e enfrentando o preconceito”, conta Júnior.


Partida do Peladão disputada pelo Ball Cat's no Estádio da Colina,
em 2019, ano da estreia da equipe na competição (Reprodução: Youtube)

O próprio Ball Cat's passou a disputar o Peladão em 2019, ganhando grande visibilidade com a exibiçao pela TV A Crítica de uma partida que disputou no Estádio Ismael Benigno  o Estádio da Colina , que foi, até os anos 70, o palco mais importante do futebol de Manaus. O posto foi perdido apenas com a inauguração do Estádio Vivaldo Lima, o Vivaldão, reconstruído para a Copa do Mundo de 2014 como Arena da Amazônia.

Levando o Amazonas na camisa, o time participou pela primeira vez de uma competição nacional com outras equipes LGBTQIAPN+ na quarta Champions LiGay, em Brasília (DF), estreando na Série de Acesso. Já na edição seguinte do evento, em Belo Horizonte (MG), os manauaras disputaram a divisão principal. Com a reformulação dos critérios de classificação para a principal competição inclusiva do país, eles buscarão na Copa Norte uma vaga para são Paulo em 2022, quando a capital paulista sediará pela segunda o "Brasileirão LGBT+" (anteriormente a cidade já havia recebido a edição do segundo semestre de 2018).


Depois da estreia em Brasília, a equipe voltou à Champions LiGay em Belo Horizonte,
no segundo semestre de 2019 (Reprodução: Instagram LiGay Nacional de Futebol)

Beleza que quebra tabus

A nota 10 no quesito representatividade se estende também para fora das quatro linhas. Toda equipe que se candidata a uma vaga no Peladão precisa apresentar uma rainha para participar de um concurso, sendo essa uma exigência para a participação no torneio, que tem duração estimada em 5 meses. Para o Ball Cat’s não foi o suficiente fazer história sendo a primeira equipe LGBTQIAPN+ no Amazonas e, consequentemente, no evento: logo em sua estreia, inscreveram uma mulher transexual como rainha da equipe.

O sucesso foi além do esperado: Stephany Vilaça conquistou o terceiro lugar dentre 461 candidatas participantes do Rainha do Peladão, competição paralela à disputa dentro dos campos e que premia a vencedora com um carro 0km e uma quantia em dinheiro. “Quebramos um enorme tabu na competição e isso para mim já foi uma enorme vitória não apenas para o time, mas para a comunidade LGBTQIA+ como um todo”, comemora Pedrita.


Stephany Vilaça com o troféu conquistado
na partida de abertura do Peladão 2019
entre as equipes estreantes naquela edição:
Ball Cat's venceu por 4x1 e levou a taça
para casa (Foto: Arquivo Ball Cat's)

Quem pensa que beleza é o suficiente se engana: as candidatas encaram etapas eliminatórias com diferentes atividades, como entrevista com os organizadores, desfiles com banca de jurados – da qual participaram Adriana Bombom e Monique Evans, por exemplo –, até que sobrem 12 classificadas para um reality show intitulado “A Bordo – O Reality", exibido pela mesma emissora de televisão A Crítica, que promove o Peladão.

A bordo de um iate escoltado pela Marinha Mercante no meio do Rio Negro sem aproximação de qualquer pessoa externa ao concurso, as participantes são monitoradas por câmeras 24h por dia durante 35 dias e cumprem novas atividades eliminatórias, até que as três finalistas participem do concurso de beleza que funciona como etapa final, com voto popular.

Até 2019, Júnior tinha visto Stephany apenas duas vezes em Manaus, uma delas quando a musa se tornou rainha de bateria de uma escola de samba da cidade. Pedrita relembra o dia das inscrições no Peladão de 2019, quando foi oficializá-la como rainha do Ball Cat’s:

“Ela aceitou nosso convite logo no dia anterior à inscrição. Já no dia, chegando ao local, a coordenação do evento estava lotada de jornalistas querendo conhecê-la: tinha surgido na mídia que uma trans concorreria no concurso. O terceiro lugar foi uma conquista, ela só não ganhou porque aqui o pessoal não tem uma mente totalmente aberta para esse movimento, mas estamos trabalhando muito nesse sentido em diferentes modalidades”.


Matéria da TV A Crítica sobre a abertura do Peladão 2019,
que destacou a participação do Ball Cat's (Reprodução: Youtube)

Do Peladão para todo o Brasil

A participação no Rainha do Peladão fez a carreira de Stephany decolar. Na semana anterior à publicação dessa matéria ela foi miss trans da cidade de Lorena, no interior de São Paulo, para onde foi convidada por conta da repercussão que teve no Peladão de 2019. A moça foi a única representante de fora do município a disputar com as trans locais.

Stephany nas arquibancadas da Arena
da Amazônia no dia da abertura da edição
2021 do Peladão (Foto: Arquivo Ball Cat's)
“Minha história com o time é muito marcante para mim. Iniciamos um trabalho que não imaginávamos o quão grandioso se tornaria: primeiro time composto por homens gays a concorrer no Peladão, num esporte tão machista, tendo uma trans para representá-los como rainha. É muito gratificante saber que o esporte e a televisão estão abrindo essa oportunidade para nós, mulheres trans, exercermos essa representatividade. Pude ensinar como as pessoas poderiam nos tratar de verdade, tive uma voz que nunca imaginei ter”, conta Stephany, que passou a ser uma figura pública na capital amazonense, coordenando atualmente as mídias dos grupos de forró de Manaus, além de já ter sido rainha gay do Carnaval da cidade e também a primeira musa e rainha de bateria de escola de samba local.

Dois anos após seu pódio, a musa conta com o apoio de rainhas de edições anteriores para o concurso de 2021, no qual está entre as mais cotadas para vencer. Ela já avançou na primeira eliminatória e está entre as 100 classificadas. Como em todo reality show, polêmicas entre as participantes são normais, mas a rainha do Ball Cat's foi muito bem recebida pelas demais concorrentes, segundo Pedrita:

“Quando ela concorreu não houve nenhum comentário preconceituoso e ela foi muito querida no grupo das finalistas. Essa aceitação é uma grande conquista para nós”, conta o presidente da equipe, ciente de que a popularidade de Stephany já fez com que ela recebesse convite de outras equipes para representá-las como rainha no Peladão, mas o coração dela bate mesmo pela equipe que a projetou para o Amazonas, a região Norte e todo o país.

“Foi uma porta que se abriu trazendo inúmeras outras possibilidades para mim, não tenho palavras para agradecer ao Junior e ao time pela mudança que trouxe para minha vida, com a visibilidade da nossa luta pelas nossas causas”, afirma, já projetando a sequência do concurso atual e também do time no Peladão: ”acredito que em 2021 vamos fazer um trabalho muito melhor do que vínhamos imaginando, foram dois anos de planejamento e preparação para essa nova edição e queremos ir muito mais longe, não apenas pela preparação do time, mas pelo carinho que temos recebido do público. Somos respeitados hoje, nosso time é elogiado pelas equipes adversárias. A gente quer esse respeito pela qualidade do nosso trabalho e por nossa competência”.


Ball Cat's e sua rainha Stephany nas arquibancadas da Arena
da Amazônia no Peladão 2019 (Foto: Arquivo Ball Cat's)

A bola do lado de fora do armário

Primeira Champions LiGay, um marco na história do esporte LGBTQIA+ (Foto: Arquivo LiGay) Em 2017 eu certamente tinha a mente bem mais fechad...