Cariocas do BeesCats (RJ) fizeram sua primeira de muitas viagens
para competições LGBTQIA+ (Foto: Arquivo BeesCats)
Sei que não falo apenas por mim quando digo que, em algum momento, passou pela mente de muitos atletas de equipes LGBTQIA+ a ideia de ser jogador profissional de futebol. Os Jogos da Diversidade 2017, que você conheceu ou relembrou na matéria anterior, reuniram ingredientes capazes de potencializar essa experiência.
Organizado em
um espaço público – o Ibirapuera –, o evento foi amplamente difundido como
parte do calendário da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, o que certamente
atrairia público à maior cidade do país, e contou com presença da mídia,
sobre a qual você confere maiores detalhes a seguir.
Todos esses
elementos faziam dos Jogos a primeira oportunidade de muitos integrantes desses
grupos viverem uma experiência de atleta profissional. Que o digam os jogadores
do BeesCats, caçula entre as equipes LGBTQIA+ presentes na ocasião e a única
representante de fora da capital paulista.
BeesCats (RJ) e Natus (SP) se enfrentam em quadra enquanto atletas
do Bulls (SP) acompanham a partida (Foto: Arquivo BeesCats)
“Aquele
primeiro torneio para nós era 'O EVENTO', como se estivéssemos indo para os Jogos
Olímpicos. Para a gente foi muito importante, juntamos uma galera, organizamos
nossa primeira excursão do time, todos hospedados na mesma casa… foi uma
experiência muito legal. Ali descobrimos o quão bacana era partir para esse
caminho”, relembra André Machado, fundador e presidente do BeesCats.
Seu xará André
Bugrinne estava nos primeiros encontros que deram forma ao time. Hoje vice-presidente
do “Bees”, ele recorda a sensação de participar de sua primeira competição
inclusiva fora de sua cidade e destaca a diversidade refletida nos perfis de
pessoas que encontrou no Ibirapuera.
“A
experiência foi sensacional, você se sente como se fosse um atleta de grande
clube ao entrar em quadra e a torcida cantar seu nome ou então ser anunciado
nos microfones. Além disso a inclusão de pessoas de diversas tribos demonstra a
pluralidade do movimento”, afirma.
Representatividade trans em quadra: Meninos Bons de Bola (SP) são a primeira
equipe do país formada por homens transexuais (Foto: Arquivo MBB)
Uma sigla, muitas letras
Assim como a
Parada do Orgulho de São Paulo, os Jogos eram destinados ao público em geral e
essa diversidade era percebida dentro e fora de quadra. Se a maioria dos
atletas presentes era de homens cis gays, o Meninos Bons de Bola dava o pontapé
inicial na representatividade trans em competições inclusivas.
“Para nós (o
evento) foi um momento muito importante, ainda não tinha acontecido nenhum
torneio assim para equipes LGBTQIA+. Para nós foi muito bom ter participado, só
não imaginávamos que haveria eventos assim com tanta frequência depois”, conta
Raphael Martins, presidente e fundador da primeira equipe formada por homens
trans, nascida em 2016.
Bulls (SP) conquistou o título que marcou o início do boom das competições
esportivas LGBTQIA+ que tomariam o Brasil a partir de 2017 (Foto: Arquivo Bulls)
Título para a história
Dentro das
quatro linhas, Bulls e Natus fizeram a primeira final em torneios LGBTQIA+ do
Brasil. No apito final, a equipe de uniforme vermelho e preto levantou o
primeiro título de um movimento que viria a ter milhares de campeões dentro e fora
das quadras e campos, partindo do princípio segundo o qual cada competição e cada evento é uma conquista de todos os envolvidos.
“Foi uma
sensação maravilhosa. Tivemos um final de semana de entrevistas e fomos campeões.
Saiu matéria nossa em jornal local, fomos convidados para dar entrevista na
maior rádio de São Paulo... ali caiu a ficha que o futebol LGBTQIA+ estava
sendo representado e as pessoas começaram a ver que gay joga bola sim e que não
iríamos parar por ali”, relembra Mauricio Lima, presidente do Bulls, que
acompanhou de perto a conquista.
Telejornal local SPTV primeira edição contou com entrada ao vivo
durante os jogos de voleibol do evento (Reprodução: GloboPlay)
Close certo
As entrevistas mencionadas por Maurício não foram algo isolado. Os jogadores não imaginavam que, à beira da quadra,
estariam jornalistas que conheciam apenas da televisão. O telejornal local SPTV
primeira edição fez uma entrada ao vivo durante as partidas de vôlei. Caco Barcellos aguardava a final do futsal para seus últimos
registros para o Profissão Repórter, enquanto Gabriela Moreira, ainda pela ESPN
Brasil – hoje repórter e apresentadora do SporTV –, entrevistava integrantes
das equipes para o canal por assinatura e o blog que
mantinha no site da emissora (confira links no fim da matéria).
“Naquela
época o time estava mais se divertindo e competindo do que militando. Não
estávamos acostumados a ser assunto de interesse da mídia, então participamos
das entrevistas sem imaginar que aquele evento teria tanta repercussão,
inclusive na sociedade. Muitos jornalistas estavam lá com interesse em
documentar o evento, isso chamou muito a nossa atenção”, conta o zagueiro do
Natus Alexandre Antoniazzi.
Caco Barcellos entrevista atletas das equipes finalistas do torneio de futsal
após a decisão para o Profissão Repórter (Reprodução: GloboPlay)
Esse interesse, no entanto, não é uma constante, como lembra o atacante Felipe Flor. “É algo rotineiro quando estamos no mês da diversidade (junho, mês do orgulho LGBTQIA+), nos demais meses não percebemos tanta procura da imprensa”. Isso só mudou com o aumento da frequência de realização de torneios entre equipes inclusivas, mas isso é assunto para uma outra matéria, na qual você confere a opinião de Gabriela Moreira sobre a atenção dada pela imprensa ao esporte inclusivo.
A cobertura
de veículos de comunicação foi bem avaliada por Erico, que também relembra ter
vetado propostas com viés de humor. “O saldo de mídia foi muito positivo,
conseguimos entrar ao vivo em jornais da Globo em uma época em que as mídias
sociais não estavam tão em evidência como agora, mas eu pessoalmente barrei quem
queria se aproveitar do evento para fazer chacota, como o Pânico na TV e o
Danilo Gentilli, de modo a proteger a imagem dos participantes de algo que era totalmente
contra nossos princípios de enfrentamento à LGBTfobia.”
Gabriela Moreira no complexo do Ibirapuera para gravação
do especial Futebol Fora do Armário (Reprodução: YouTube)
Mergulho em um novo universo
O estilo de Gabriela
Moreira, no entanto, estava alinhado com os valores que o Comitê Desportivo
LGBT buscava transmitir com o evento e que as equipes disseminavam simplesmente
por entrar em quadra. Frequentemente envolvida em reportagens em que a
informação e os números frios cedem espaço a uma abordagem mais humana e
propõem reflexão em termos sociais, a então repórter da ESPN Brasil havia sido
apresentada às equipes LGBTQIA+ durante a preparação do especial Futebol Fora do
Armário (confira links no fim da matéria) e mergulhou em um universo que a
surpreendeu.
“A ESPN
segue diretrizes da Disney, que tem um núcleo para pautas de diversidade e gênero.
Seguimos essa mesma estrutura na época aqui na ESPN Brasil com o mesmo objetivo
de difundir e discutir essas questões, ligando nosso radar para buscar assuntos
para abordar em matérias. Foi uma grande e grata surpresa durante a apuração
para esse especial ver que havia tantos times que dava para montar um
campeonato. Foi muito legal ver a organização das equipes e poder acompanhar
aquele momento”, conta Gabriela.
Terceira parte do especial Futebol Fora do Armário,
que foi ao ar pela ESPN Brasil (Reprodução: YouTube)
Durante a produção realizada em São Paulo e no Rio de Janeiro, ela foi apresentada a histórias que ficaram em sua memória. “Um menino do BeesCats que jogava peladas com colegas de trabalho e nunca tinha declarado sua homossexualidade nesse ambiente se sentiu tão acolhido a partir de quando começou a praticar futebol com o time, que decidiu se assumir para os colegas. Também me chamou a atenção um atleta do Bulls que, antes de entrar para o time, sofria com depressão e não se sentia pertencido ao grupo com que jogava e, a partir do momento que começou a fazer parte do Bulls, melhorou da depressão e progrediu em vários aspectos da vida”, relembra a jornalista.
André
Bugrinne foi um dos entrevistados por Gabriela para o especial Futebol Fora do
Armário, durante visita da repórter e apresentadora a um dos encontros do BeesCats, já de
volta ao Rio de Janeiro depois dos Jogos da Diversidade.
“Eu sempre
fui fã da Gabi. Ela, assim como eu, é flamenguista e suas matérias sempre
trouxeram uma reflexão para a sociedade por meio do esporte. Além disso, o modo
com que aborda a temática da inclusão nos passou muita confiança, fazendo dela uma
pessoa muito significativa na história do BeesCats. Sua forma de abordar os
mais diversos assuntos evidencia a grande profissional que é”.
após os Jogos da Diversidade (Fotos: Arquivo BeesCats)
A partir do
que acompanhou nos Jogos naquela tarde de junho e também em visitas a treinos como o do Unicorns (SP) e do BeesCats (RJ) - ela visitou o grupo carioca logo na semana seguinte ao evento -, Gabriela avalia a impressão que teve
das equipes esportivas inclusivas.
“Não importa
a orientação sexual, o futebol é praticado por todo mundo, cada um com seu nível
técnico, e tem espaço para todos. Saí dessa cobertura muito convicta de como é
importante ter espaços onde cada um tem liberdade de ser quem é e continuar a
prática esportiva. Vi também que o futebol inclusivo é muito mais respeitoso em
relação aos diferentes níveis técnicos dos atletas. Essas equipes acolhem todas
as liberdades. Isso é o esporte sendo exercido em sua essência", analisa.
NO PRÓXIMO POST…
Os primeiros
passos das equipes precursoras da representatividade LGBTQIA+ no Brasil: Real
Centro (São Paulo/SP, 1990), Magia (Porto Alegre/RS, 2005), Barcemonas (Ananindeua/PA, 2010)
e BallCat’s (Manaus/AM, 2014). A formação desses grupos, a primeira competição inclusiva
da qual participaram e a perspectiva do pesquisador Wagner Xavier de Camargo do
ponto de vista das ciências humanas e sociais do acolhimento e pertencimento
promovidos pelas equipes LGBTQIA+.
Confira
vídeos que registram como foi o evento:
Matéria no
SPTV: https://globoplay.globo.com/v/5946463/
Reportagem
no Profissão Repórter: https://globoplay.globo.com/v/6052063/programa/?s=0s
Matéria no
blog da Gabriela Moreira no site da ESPN: http://files.espn.com.br/blogs/gabrielamoreira/704283_sem-apoio-de-doria-jogos-lgbt-reunem-400-atletas-no-ibirapuera
Vídeo do
evento publicado no canal oficial da APOGLBTSP, ONG responsável pela Parada do
Orgulho LGBT de São Paulo: https://www.youtube.com/watch?v=BUEdZLsvYAs
Especial ESPN Futebol Fora do Armário parte 1:
https://www.youtube.com/watch?v=E701OZoQJR0
Especial
ESPN Futebol Fora do Armário parte 2:
https://www.youtube.com/watch?v=Be3hN2UGmnY
Especial
ESPN Futebol Fora do Armário parte 3:
https://www.youtube.com/watch?v=NAhUGIzJVrk
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