Alligaytors reúne experiência no cenário do handebol para conquistar
o título da Rio Pride Cup 2021 (Crédito: @mpfotografiaesportiva)
Se existe uma palavra que pareceu permear as conversas com representantes das quatro equipes participantes da Rio Pride Cup de Handebol 2021, essa palavra foi “reencontro”. Foi esse o tom da competição que voltou a agitar o calendário da modalidade entre equipes LGBTQIAPN+ depois de quase dois anos de paralisações das atividades em decorrência da pandemia.
Foi o primeiro torneio inclusivo de handebol desde a Queer Cup, que teve edições realizadas em Curitiba – em 2018, com vitória do Vale (GO) – e Porto Alegre – em 2019, conquistada pelo Capivara (PR). A terceira seria sediada pelo Fadas (SP), mas precisou ser adiada em face do cenário no qual o mundo mergulhou em 2020. Na Arena 3 do Parque Olímpico do Rio, uma final carioca decidiu o título, que ficou com o Alligaytors.
Recheada de atletas experientes no cenário da modalidade, a equipe venceu na decisão do troféu o Lendários, equipe organizadora do torneio, que contou ainda com parceria com a Impulse Rio para conscientização sobre a prevenção do HIV e outras ISTs por meio de quiz e esclarecimentos aos participantes do evento.
Enfim, de volta
Definir o
momento certo para retomar as atividades não foi tarefa fácil, como conta Alê
Magalhães, integrante do Bharbixas (MG) desde 2018 e atual líder da modalidade
no clube, cujas atividades – vôlei, handebol e dance – retornaram cada uma a
seu passo. O handebol, por exemplo, voltou à ativa no mesmo mês do torneio.
Bharbixas repensou o retorno de suas atividades, mas já voltou com as três
modalidades: handebol, vôlei e dance (Crédito: @mpfotografiaesportiva)
“Nosso time
teve uma discordância de ideias nesse retorno, mas sempre prezamos pela saúde
de todos. Em momento algum quisemos voltar antes de qualquer orientação
sanitária em relação a isso. Voltamos só em novembro depois de uma pesquisa a
respeito da vacinação de todos e se se sentiam seguros para voltar. Temos
atletas que moram com pessoas de grupos de risco e com comorbidades. O retorno
seguiu nossa filosofia: saúde e respeito em primeiro lugar, com a
competitividade como consequência desse nosso empenho. Custou a acontecer, mas
viemos tendo resultados”, conta Alê.
Para Bruno
Gerlin, um dos gestores do Fadas e que participou da fundação do time, o tempo afastado das quadras é um motivo para que ninguém se exigisse um
desempenho em alto nível: “É um recomeço para todos. Não podemos nos cobrar em
termos de qualidade técnica, desempenho. O importante é todo mundo estar junto
de novo. O que está acontecendo aqui hoje é prova de que sobrevivemos nós e o
movimento”.
Golaço da representatividade
O
engajamento do Fadas em causas sociais em apoio a ONGs voltadas para a promoção
de cidadania de pessoas LGBTQIAPN+ chamou a atenção da maior entidade da
modalidade no país, levando o presidente da Confederação Brasileira de
Handebol, Felipe Casão, a convidar Bruno e Lucas Paioli, também dirigente da
equipe paulista, a integrar o Comitê de Diversidade na CBHb, criado em julho.
Hoje eles são respectivamente diretor e coordenador geral do Comitê, que conta
ainda com uma coordenadora esportiva: Aline Pará, atleta olímpica aposentada.
“O comitê
nasceu com a função de ter membros de preferência de todas as letras da sigla,
para que cada um traga sua dor e seu lugar de fala. Não podemos ter a
expectativa de mudar o mundo, mas queremos trazer respeito e acolhimento para o
espaço esportivo do handebol, porque é a bola que a gente segura. O próximo passo
é criar essa consciência sobre a necessidade do respeito e acolhimento a
atletas LGBT+, para desenvolvermos um mapa de ações positivas para realizar
ações mais palpáveis”, conta Bruno, que reforça que já estão sendo analisados
documentos como código de ética e estatuto, por exemplo, além de uma
aproximação das temáticas de pessoas com deficiência para trazer ações
referentes a PCD para dentro do Comitê da Diversidade.
A
organização do evento ficou por conta de Eduardo Bianchi, integrante do
Lendários, que contou com apoio do poder público por meio da Coordenadoria
Especial de Diversidade Sexual e da Secretaria Municipal de Esportes, por
exemplo, para a liberação da arena do Parque Olímpico do Rio de Janeiro.
Segundo ele, que coordena a modalidade no Lendários e também é responsável pelo
marketing de sua equipe, a intenção é expandir nos próximos anos para outras
modalidades, inclusive a partir do crescimento observado nas equipes esportivas
LGBTQIAPN+ em diversos esportes.
“É muito
legal vermos o esporte LGBT+ ganhando territórios, se expandindo. Esperamos que
essa proposta se espalhe cada vez mais, que toda cidade tenha sua equipe pra
disputar competições internas, regionais, nacionais. Quando chegarmos a esse
ponto, vamos precisar de uma infraestrutura bem legal para dar a esses eventos
um alcance muito maior”, avalia o organizador, que vê na capital carioca um
grande polo para a realização de eventos com propósito inclusivo muito além do
esporte. “O Rio tem um potencial muito grande para a economia criativa e o
esporte LGBT+, na verdade a cultura LGBT+ de um modo geral pode explorar isso
para se beneficiar politicamente, ganhar visibilidade e mostrar que o Rio é um
lugar aberto, receptivo para todos virem.”
Poder feminino em ação
Chamavam a
atenção na equipe do Fadas duas goleiras, Luciana Faria e Raphaela Calandra, as
únicas mulheres na equipe e que, junto com a também goleira Carol Carvalho, do Lendários,
representavam dentro de quadra a força feminina, também presente à beira das
quatro linhas com treinadoras, à exceção da equipe do Alligaytors (RJ). Chamava
mais ainda a atenção a vibração de Raphaela Calandra ao comemorar cada defesa
por sua equipe. Há seis meses no Fadas, ela explica o motivo de tanta garra:
“Me sinto dentro de uma família que me acolheu. É diferente dos vários times formados por mulheres heterossexuais em que joguei. O Fadas me acolheu do jeito que sou, sem nenhum estereótipo ou crítica quanto à minha orientação sexual”, conta Raphaela, que se denomina bissexual. “Só de chegar toda 4ª feira, me anima, saber que vou sair do trabalho cansada, exausta, mas vou chegar e encontrar todas as pessoas que amo e vou chegar em casa bem e tranquila. Isso que explica essa vibração toda em quadra”, completa, reforçando que o Fadas busca a construção de um time feminino.
Raphaela (agachada, de laranja) atribui sua vibração em quadra ao acolhimento
que recebeu da equipe do Fadas (Crédito: @mpfotografiaesportiva)