segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Reencontro para o handebol


Alligaytors reúne experiência no cenário do handebol para conquistar
o título da Rio Pride Cup 2021 (Crédito: @mpfotografiaesportiva)

Se existe uma palavra que pareceu permear as conversas com representantes das quatro equipes participantes da Rio Pride Cup de Handebol 2021, essa palavra foi “reencontro”. Foi esse o tom da competição que voltou a agitar o calendário da modalidade entre equipes LGBTQIAPN+ depois de quase dois anos de paralisações das atividades em decorrência da pandemia.

Foi o primeiro torneio inclusivo de handebol desde a Queer Cup, que teve edições realizadas em Curitiba – em 2018, com vitória do Vale (GO) – e Porto Alegre – em 2019, conquistada pelo Capivara (PR). A terceira seria sediada pelo Fadas (SP), mas precisou ser adiada em face do cenário no qual o mundo mergulhou em 2020. Na Arena 3 do Parque Olímpico do Rio, uma final carioca decidiu o título, que ficou com o Alligaytors.

Recheada de atletas experientes no cenário da modalidade, a equipe venceu na decisão do troféu o Lendários, equipe organizadora do torneio, que contou ainda com parceria com a Impulse Rio para conscientização sobre a prevenção do HIV e outras ISTs por meio de quiz e esclarecimentos aos participantes do evento.

Enfim, de volta

Definir o momento certo para retomar as atividades não foi tarefa fácil, como conta Alê Magalhães, integrante do Bharbixas (MG) desde 2018 e atual líder da modalidade no clube, cujas atividades – vôlei, handebol e dance – retornaram cada uma a seu passo. O handebol, por exemplo, voltou à ativa no mesmo mês do torneio.


Bharbixas repensou o retorno de suas atividades, mas já voltou com as três
modalidades: handebol, vôlei e dance (Crédito: @mpfotografiaesportiva)

“Nosso time teve uma discordância de ideias nesse retorno, mas sempre prezamos pela saúde de todos. Em momento algum quisemos voltar antes de qualquer orientação sanitária em relação a isso. Voltamos só em novembro depois de uma pesquisa a respeito da vacinação de todos e se se sentiam seguros para voltar. Temos atletas que moram com pessoas de grupos de risco e com comorbidades. O retorno seguiu nossa filosofia: saúde e respeito em primeiro lugar, com a competitividade como consequência desse nosso empenho. Custou a acontecer, mas viemos tendo resultados”, conta Alê.

Para Bruno Gerlin, um dos gestores do Fadas e que participou da fundação do time, o tempo afastado das quadras é um motivo para que ninguém se exigisse um desempenho em alto nível: “É um recomeço para todos. Não podemos nos cobrar em termos de qualidade técnica, desempenho. O importante é todo mundo estar junto de novo. O que está acontecendo aqui hoje é prova de que sobrevivemos nós e o movimento”.

Golaço da representatividade

O engajamento do Fadas em causas sociais em apoio a ONGs voltadas para a promoção de cidadania de pessoas LGBTQIAPN+ chamou a atenção da maior entidade da modalidade no país, levando o presidente da Confederação Brasileira de Handebol, Felipe Casão, a convidar Bruno e Lucas Paioli, também dirigente da equipe paulista, a integrar o Comitê de Diversidade na CBHb, criado em julho. Hoje eles são respectivamente diretor e coordenador geral do Comitê, que conta ainda com uma coordenadora esportiva: Aline Pará, atleta olímpica aposentada.


Fadas levou duas equipes ao Rio para a disputa da competição
(Crédito: @mpfotografiaesportiva)

“O comitê nasceu com a função de ter membros de preferência de todas as letras da sigla, para que cada um traga sua dor e seu lugar de fala. Não podemos ter a expectativa de mudar o mundo, mas queremos trazer respeito e acolhimento para o espaço esportivo do handebol, porque é a bola que a gente segura. O próximo passo é criar essa consciência sobre a necessidade do respeito e acolhimento a atletas LGBT+, para desenvolvermos um mapa de ações positivas para realizar ações mais palpáveis”, conta Bruno, que reforça que já estão sendo analisados documentos como código de ética e estatuto, por exemplo, além de uma aproximação das temáticas de pessoas com deficiência para trazer ações referentes a PCD para dentro do Comitê da Diversidade.

A organização do evento ficou por conta de Eduardo Bianchi, integrante do Lendários, que contou com apoio do poder público por meio da Coordenadoria Especial de Diversidade Sexual e da Secretaria Municipal de Esportes, por exemplo, para a liberação da arena do Parque Olímpico do Rio de Janeiro. Segundo ele, que coordena a modalidade no Lendários e também é responsável pelo marketing de sua equipe, a intenção é expandir nos próximos anos para outras modalidades, inclusive a partir do crescimento observado nas equipes esportivas LGBTQIAPN+ em diversos esportes.

“É muito legal vermos o esporte LGBT+ ganhando territórios, se expandindo. Esperamos que essa proposta se espalhe cada vez mais, que toda cidade tenha sua equipe pra disputar competições internas, regionais, nacionais. Quando chegarmos a esse ponto, vamos precisar de uma infraestrutura bem legal para dar a esses eventos um alcance muito maior”, avalia o organizador, que vê na capital carioca um grande polo para a realização de eventos com propósito inclusivo muito além do esporte. “O Rio tem um potencial muito grande para a economia criativa e o esporte LGBT+, na verdade a cultura LGBT+ de um modo geral pode explorar isso para se beneficiar politicamente, ganhar visibilidade e mostrar que o Rio é um lugar aberto, receptivo para todos virem.”


Equipe organizadora da competição, Lendários avançou até a final
(Crédito: @mpfotografiaesportiva)

Poder feminino em ação

Chamavam a atenção na equipe do Fadas duas goleiras, Luciana Faria e Raphaela Calandra, as únicas mulheres na equipe e que, junto com a também goleira Carol Carvalho, do Lendários, representavam dentro de quadra a força feminina, também presente à beira das quatro linhas com treinadoras, à exceção da equipe do Alligaytors (RJ). Chamava mais ainda a atenção a vibração de Raphaela Calandra ao comemorar cada defesa por sua equipe. Há seis meses no Fadas, ela explica o motivo de tanta garra:

“Me sinto dentro de uma família que me acolheu. É diferente dos vários times formados por mulheres heterossexuais em que joguei. O Fadas me acolheu do jeito que sou, sem nenhum estereótipo ou crítica quanto à minha orientação sexual”, conta Raphaela, que  se denomina bissexual. “Só de chegar toda 4ª feira, me anima, saber que vou sair do trabalho cansada, exausta, mas vou chegar e encontrar todas as pessoas que amo e vou chegar em casa bem e tranquila. Isso que explica essa vibração toda em quadra”, completa, reforçando que o Fadas busca a construção de um time feminino.


Raphaela (agachada, de laranja) atribui sua vibração em quadra ao acolhimento
que recebeu da equipe do Fadas (Crédito: @mpfotografiaesportiva)


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