segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Alegria e envolvimento para resistir


Com 11 anos de fundação, Barcemonas (PA) é a equipe pioneira do futebol
LGBTQIAPN+ da região Norte do Brasil (Foto: Arquivo Barcemonas)

Nossa viagem em visita ao momento de formação das primeiras equipes LGBTQIAPN+ do Brasil segue rumo no sentido oposto da expressão “do Oiapoque ao Chuí”, deixando os pampas gaúchos em direção ao norte do Brasil, mais especificamente a Ananindeua (PA). Nesse município, região metropolitana da capital Belém, um grupo de amigos gays se inspirou no futebol feminino para começar a praticar a modalidade mais popular do país.

Ananindeua (PA), abril de 2010

“Frequentando os jogos de amigas, surgiu a ideia de montarmos um time totalmente formado por gays para jogar contra equipes femininas. O que inicialmente seria só uma brincadeira fez surgir, com o tempo, o pensamento de firmar uma equipe de fato, chamada As Maluquinhas Gay”, conta Jhonata Nascimento, popularmente conhecido como Vassourinha.

A iniciativa dividiu opiniões na região. Segundo o membro da diretoria e secretário da equipe, as palavras de incentivo dividiram espaço com os comentários maldosos, que persistem até hoje, algo enfrentado pelas equipes inclusivas, em geral. “Mas a gente se mantem firme no amor pelo esporte e pela causa LGBTQIA+”, reforça.


Formação inicial do Barcemonas (PA), ainda como As Maluquinhas Gay,
que defendeu a equipe entre 2010 e 2014 
(Foto: Arquivo Barcemonas)

Inspiração no Velho Continente

O nome escolhido permaneceu por quatro anos. Foi quando bateu mais forte a paixão por um clube do outro lado do Atlântico. “Nosso atleta e vice-diretor Artur era muito fã do Barcelona e queria trazer algo que homenageasse o clube e, ao mesmo tempo, fizesse uma referência à nossa comunidade LGBTQIA+”, relembra o atacante e membro da direção do time que passou a se chamar Barcemonas.

A esse trocadilho, por sinal, se rendem inclusive aqueles quem não conhece tão bem o esporte inclusivo, encantados com a perspicácia do jogo de palavras. Os nomes bem-humorados, por sinal, são uma característica dos grupos esportivos LGBTQIA+, o que, por si só, já renderia uma matéria à parte. Fato é que o Barcemonas passou a ser cada vez mais conhecido em sua cidade e estado, ganhando a mídia e, finalmente, um novo salto foi dado em 2019, com a filiação à LiGay Nacional de Futebol.

Jhonata avalia as mudanças no cenário esportivo LGBTQIA+ da fundação da equipe, em 2010, até hoje: “Naquela época não se tinha muitas equipes, hoje a gente percebe cada vez mais o surgimento de novas equipes, algumas das quais nos procuram para dizer que se inspiraram em nós. Quando olhamos para alguns anos atrás, vemos uma brincadeira se tornar algo de grande magnitude e encorajou o surgimento de novas equipes do interior do nosso estado”.

Prestes a disputar a Champions LiGay pela primeira vez em 2020, a equipe teve seu sonho adiado devido à pandemia de Covid-19, mas aguarda com ansiedade a oportunidade de se unir a dezenas de grupos esportivos LGBTQIAPN+: “Estávamos na fila de espera para participação na LiGay, mas agora com as seletivas regionais, vamos disputar uma vaga com outras equipes da região Norte, estamos ansiosos”, conta Jhonata, que tem um bom motivo para dizer que traz mais “alma” à equipe: cabe a ele a missão de dar vida a Monacletty, a mascote humana do Barcemonas, uma empreitada ousada de marketing que aproxima o time de sua torcida conquistando fãs por onde passa.


Monacletty venceu a votação nas redes
sociais e nomeou o mascote, então ainda
de pelúcia (Foto: Arquivo Barcemonas)

Do escudo à pelúcia e, então, à vida

Apesar de o grupo ter completado 10 anos de existência e resistência em abril de 2020, a comemoração só veio em agosto, devido ao cenário causado pela pandemia, mas isso não foi motivo para deixar de inovar: foi decidido que o unicórnio presente no escudo ganharia uma forma concreta, inicialmente em pelúcia.

Nada mais democrático que eleger o nome da mascote por meio de votação nas redes sociais. Dentre as quatro opções listadas no Instagram e no Facebook para escolha de integrantes da equipe de futebol gay e feminino e também do público em geral, Monacletty foi a vencedora, batizando o pequeno unicórnio que logo passou a viajar com o time nos compromissos pelos gramados e quadras do Pará e do Amazonas.

Mas não era o suficiente para a diretoria, que teve a partir de uma novela brasileira a ideia do passo seguinte. Um ator fantasiado de unicórnio na telinha rapidamente incendiou a mente de dirigentes do Barcemonas, que já vislumbravam ali a versão humana do mais novo xodó do grupo, inclusive alvo de reportagens da imprensa local.


Pé-quente, Monacletty posa com a equipe antes de sua estreia
com direito a goleada (Foto: Arquivo Barcemonas)

Quando se idealiza uma mascote humana como ação de branding e marketing, a aproximação com o público como reforço para a marca é uma das principais consequências do uso dessa ferramenta. O êxito da mais nova integrante não poderia ser maior, na opinião de Jhonata.

“A interação é perfeita. Onde o Barcemonas ia levando a Monacletty, o público ia junto para ver as brincadeiras, nossa animação. Ela foi um motivo a mais para irem nos assistir, foi a cereja do bolo”, conta o rapaz, conhecido em sua região como “Vassourinha”, lembrando que o xodó da torcida acompanha o time apenas nos jogos mais importantes, como os clássicos LGBTQIAPN+ e as partidas disputadas em campo de grama natural, terreno onde a equipe atua de forma mais tradicional.

Alegria para todos

A mascote foi pé-quente, diga-se de passagem: o dia 16 de maio marcou a estreia de Monacletty animando a torcida em meio a uma sonora goleada de 5 a 0. Na partida seguinte, um clássico local do futebol LGBTQIAPN+ e nova vitória do Barcemonas, dessa vez por 1 a 0. Nos dois compromissos da equipe, quem tentasse revelar quem animava a torcedora n°1 da equipe descobriria um Jhonata que entra de fato na brincadeira.

Já conhecida em sua região, Monacletty quer ser apresentada
aos outros estados do país (Foto: Arquivo Barcemonas)

“Eu, que fico dentro dela, não tenho nem palavras para dizer como me sinto. Viro criança de novo. O pessoal já sabe que sou eu, mas quando estou lá, nem me chamam pelo meu nome, mas pelo da mascote. Isso para mim já é um reconhecimento, um carinho por mim e pelo time”, conta, entusiasmado.

Quando se trata do público infantil, não é difícil entender por que o rapaz pensava, desde o início do processo de construção da Monacletty, em uma mascote que traria alegria para as crianças. “Numa viagem ao município de Augusto Corrêa, bem distante de Belém, encontramos muitas crianças. Onde a mascote ia, elas seguiam junto. Lá os pequenos não tinham acesso a muito entretenimento, então era uma grande diversão para eles. Aproveitamos também para fazer uma distribuição de doces e chocolates para eles”, relembra Jhonata, que já estabeleceu a próxima meta para a personagem à qual dá vida:

“A Monacletty já circulou bastante por aqui, é bem conhecida aqui na região. Agora queremos levá-la para outros estados. Quem sabe, nossa equipe conseguindo a vaga na Champions LiGay 2022, seja a chance de mostra-la para o Brasil?”

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A bola do lado de fora do armário

Primeira Champions LiGay, um marco na história do esporte LGBTQIA+ (Foto: Arquivo LiGay) Em 2017 eu certamente tinha a mente bem mais fechad...