Nossa viagem em visita ao momento de formação das primeiras equipes LGBTQIAPN+ do Brasil segue rumo no sentido oposto da expressão “do Oiapoque ao Chuí”, deixando os pampas gaúchos em direção ao norte do Brasil, mais especificamente a Ananindeua (PA). Nesse município, região metropolitana da capital Belém, um grupo de amigos gays se inspirou no futebol feminino para começar a praticar a modalidade mais popular do país.
Ananindeua (PA), abril de 2010
“Frequentando
os jogos de amigas, surgiu a ideia de montarmos um time totalmente formado por
gays para jogar contra equipes femininas. O que inicialmente seria só uma
brincadeira fez surgir, com o tempo, o pensamento de firmar uma equipe de fato,
chamada As Maluquinhas Gay”, conta Jhonata Nascimento, popularmente conhecido
como Vassourinha.
A iniciativa
dividiu opiniões na região. Segundo o membro da diretoria e secretário da equipe, as palavras de incentivo dividiram
espaço com os comentários maldosos, que persistem até hoje, algo enfrentado
pelas equipes inclusivas, em geral. “Mas a gente se mantem firme no amor pelo
esporte e pela causa LGBTQIA+”, reforça.
Formação inicial do Barcemonas (PA), ainda como As Maluquinhas Gay,
que defendeu a equipe entre 2010 e 2014 (Foto: Arquivo Barcemonas)
Inspiração no Velho Continente
A esse
trocadilho, por sinal, se rendem inclusive aqueles quem não conhece tão bem o
esporte inclusivo, encantados com a perspicácia do jogo de palavras. Os nomes bem-humorados,
por sinal, são uma característica dos grupos esportivos LGBTQIA+, o que, por
si só, já renderia uma matéria à parte. Fato é que o Barcemonas passou a ser
cada vez mais conhecido em sua cidade e estado, ganhando a mídia e, finalmente,
um novo salto foi dado em 2019, com a filiação à LiGay Nacional de Futebol.
Jhonata
avalia as mudanças no cenário esportivo LGBTQIA+ da fundação da equipe, em
2010, até hoje: “Naquela época não se tinha muitas equipes, hoje a gente
percebe cada vez mais o surgimento de novas equipes, algumas das quais nos
procuram para dizer que se inspiraram em nós. Quando olhamos para alguns anos
atrás, vemos uma brincadeira se tornar algo de grande magnitude e encorajou o
surgimento de novas equipes do interior do nosso estado”.
Prestes a
disputar a Champions LiGay pela primeira vez em 2020, a equipe teve seu sonho
adiado devido à pandemia de Covid-19, mas aguarda com ansiedade a oportunidade de se unir a dezenas
de grupos esportivos LGBTQIAPN+: “Estávamos na fila de espera para participação
na LiGay, mas agora com as seletivas regionais, vamos disputar uma vaga com
outras equipes da região Norte, estamos ansiosos”, conta Jhonata, que tem um bom
motivo para dizer que traz mais “alma” à equipe: cabe a ele a missão de dar
vida a Monacletty, a mascote humana do Barcemonas, uma empreitada ousada de
marketing que aproxima o time de sua torcida conquistando fãs por onde passa.
Monacletty venceu a votação nas redes
sociais e nomeou o mascote, então ainda
de pelúcia (Foto: Arquivo Barcemonas)
Do escudo à pelúcia e, então, à vida
Apesar de o grupo ter
completado 10 anos de existência e resistência em abril de 2020, a comemoração só veio em agosto, devido ao
cenário causado pela pandemia, mas isso não foi motivo para deixar de inovar: foi
decidido que o unicórnio presente no escudo ganharia uma forma concreta,
inicialmente em pelúcia.
Nada mais
democrático que eleger o nome da mascote por meio de votação nas redes sociais.
Dentre as quatro opções listadas no Instagram e no Facebook para escolha de integrantes
da equipe de futebol gay e feminino e também do público em geral, Monacletty
foi a vencedora, batizando o pequeno unicórnio que logo passou a viajar com o
time nos compromissos pelos gramados e quadras do Pará e do Amazonas.
Mas não era
o suficiente para a diretoria, que teve a partir de uma novela brasileira a
ideia do passo seguinte. Um ator fantasiado de unicórnio na telinha rapidamente
incendiou a mente de dirigentes do Barcemonas, que já vislumbravam ali a versão
humana do mais novo xodó do grupo, inclusive alvo de reportagens da imprensa
local.
Pé-quente, Monacletty posa com a equipe antes de sua estreia
com direito a goleada (Foto: Arquivo Barcemonas)
Quando se idealiza uma mascote humana como ação de branding e marketing, a aproximação com o público como reforço para a marca é uma das principais consequências do uso dessa ferramenta. O êxito da mais nova integrante não poderia ser maior, na opinião de Jhonata.
“A interação
é perfeita. Onde o Barcemonas ia levando a Monacletty, o público ia junto para
ver as brincadeiras, nossa animação. Ela foi um motivo a mais para irem nos assistir,
foi a cereja do bolo”, conta o rapaz, conhecido em sua região como “Vassourinha”,
lembrando que o xodó da torcida acompanha o time apenas nos jogos mais
importantes, como os clássicos LGBTQIAPN+ e as partidas disputadas em campo de
grama natural, terreno onde a equipe atua de forma mais tradicional.
Alegria para todos
A mascote
foi pé-quente, diga-se de passagem: o dia 16 de maio marcou a estreia de
Monacletty animando a torcida em meio a uma sonora goleada de 5 a 0. Na partida
seguinte, um clássico local do futebol LGBTQIAPN+ e nova vitória do Barcemonas,
dessa vez por 1 a 0. Nos dois compromissos da equipe, quem tentasse revelar quem
animava a torcedora n°1 da equipe descobriria um Jhonata que entra de fato na
brincadeira.
aos outros estados do país (Foto: Arquivo Barcemonas)
“Eu, que
fico dentro dela, não tenho nem palavras para dizer como me sinto. Viro criança
de novo. O pessoal já sabe que sou eu, mas quando estou lá, nem me chamam pelo
meu nome, mas pelo da mascote. Isso para mim já é um reconhecimento, um carinho
por mim e pelo time”, conta, entusiasmado.
Quando se
trata do público infantil, não é difícil entender por que o rapaz pensava,
desde o início do processo de construção da Monacletty, em uma mascote que
traria alegria para as crianças. “Numa viagem ao município de Augusto Corrêa,
bem distante de Belém, encontramos muitas crianças. Onde a mascote ia, elas
seguiam junto. Lá os pequenos não tinham acesso a muito entretenimento, então
era uma grande diversão para eles. Aproveitamos também para fazer uma
distribuição de doces e chocolates para eles”, relembra Jhonata, que já
estabeleceu a próxima meta para a personagem à qual dá vida:
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